Sabem onde eu descobri uma das escolas mais bonitas que já conheci?
Foi em uma pequena aldeia no sul do Mali, à sombra de uma mangueira. Era ali que se reuniam meninos e meninas, vindos de diferentes povoados, a pé ou de bicicleta, sozinhos ou acompanhados por aqueles amigos que encontravam no caminho para a escola…
Essa escola nada mais era do que um professor mais velho, cheio de sabedoria e com o dom da oralidade que os anciãos possuem.
Os meninos e meninas iam diariamente para a escola onde o professor (as) compartilhava seus conhecimentos ao redor da árvore, caminhando pelo povoado ou visitando os pequenos pomares que surgiam na margem do rio quando a estação das chuvas passava.
Esta escola desapareceu no momento em que a vila, com toda a boa vontade, ergueu um austero edifício para abrigar uma nova escola.
BEE (bulletin_for_environmental_education_1985).
Capa da revista BEE editada por Colin Ward e Anthony Fyson.
Foi assim que meninos e meninas substituíram o aprendizado sob a sombra fresca da mangueira, passeando pela vila ou visitando os pomares dos rios, por quatro paredes (uma com um quadro de giz) e pelo calor infernal do telhado de zinco que cobria a nova escola.
Com esta história, gostaria de transmitir a importância do espaço e, principalmente, o valor das experiências que nele geramos, considerando a relação que estabelecemos entre o espaço e a aprendizagem.
Por um lado, temos o espaço construído. Aquele que nos oferece as condições básicas de conforto, higiene e saúde (física e mental), permitindo-nos habitar e viver a escola.
Por outro lado, igualmente ou mais importante, temos o espaço imaterial. Aquele que construímos por meio das relações e experiências, permitindo-nos uma grande diversidade de conhecimentos e aprendizagens.
No que se refere ao espaço construído, a reflexão sobre como deveriam ser esses espaços escolares tem ganhado certa relevância, principalmente em relação aos tempos de pandemia global que vivemos atualmente.
Nessa reflexão sobre as condições que os espaços escolares devem oferecer, uma condição básica que devemos considerar é o princípio do conforto. Uma característica aparentemente subjetiva que, ao contrário, se define por uma dimensão quantitativa e qualitativa que, no meu modo de entender a arquitetura, deveria ser um requisito básico para conceber o espaço a partir da complexidade que se estabelece entre a relação do subjetivo com o objetivo.
“Gostaria de transmitir a importância do espaço e, principalmente, o valor das experiências que nele geramos, considerando a relação que estabelecemos entre o espaço e a aprendizagem”
A dimensão quantitativa do conforto permite-nos definir os requisitos mínimos necessários que uma escola requer a partir da distribuição dos usos do espaço de acordo com a sua superfície (m2), a quantidade de fluxo de luz necessária na sala de aula (lúmen) e / ou os fluxos mínimos para a renovação correta do ar de que o espaço necessita (l / s).
Porém, para além desta dimensão quantitativa, deve ser igualmente ou mais importante a dimensão qualitativa dos espaços, também ligada a este conceito de conforto.
Nestes últimos dias do ano letivo na Catalunha, os professores têm estado ocupados e preocupados em calcular as superfícies dos espaços de que dispõem nas suas escolas. O objetivo principal tem sido “encaixar” os alunos nestes espaços de acordo com os números estabelecidos pela Secretaria de Educação para a reabertura dos centros no mês de setembro.
Entendendo a complexidade do momento que temos que viver e os princípios básicos de saúde que devemos considerar, encorajo-me a pensar esses espaços escolares não apenas a partir dessa dimensão quantitativa e funcional. Esta situação de emergência é também uma oportunidade para repensar a escola numa perspectiva qualitativa que considere esta dimensão a partir de uma valorização estética do espaço e sobretudo a sua importância para o bem-estar físico e emocional de meninos e meninas.
Como a comunidade educativa tem feito ao longo da história, a escola deve dar, uma vez mais, uma resposta às necessidades educacionais e sociais que surgiram em um momento como o presente.
Foi sob essas premissas que a Câmara Municipal de Barcelona criou a l’Escola del Bosc (1914) dirigida pela professora Rosa Sensat. Uma escola que já no início do século passado optou por uma pedagogia ativa que respondesse às necessidades socioeducativas de meninos e meninas e, ao mesmo tempo, fosse também um instrumento higienista diante dos problemas de saúde que Barcelona sofria naquela época, fortemente afetada por várias epidemias causadas pelas condições insalubres da cidade.
“O espaço exterior como espaço saudável e de aprendizagem abriu uma porta para aquele momento e também abre agora, oferecendo-nos a possibilidade de descobrir e explorar um novo espaço para além das quatro paredes da sala e dos muros
da escola”
O espaço exterior como espaço saudável e de aprendizagem abriu uma porta para aquele momento e também abre agora, oferecendo-nos a possibilidade de descobrir e explorar um novo espaço para além das quatro paredes da sala e dos muros da escola.
Como deve ser o espaço externo?
Esse espaço deve ser o mais natural possível, não só porque o contato com a natureza é considerado essencial para o desenvolvimento e o bem-estar físico e emocional das crianças, mas também porque devemos ter em mente que a própria natureza nos oferece infinitas possibilidades para gerar experiências e aprendizagem.
“O espaço exterior como espaço saudável e de aprendizagem abriu uma porta para aquele momento e também abre agora, oferecendo-nos a possibilidade de descobrir e explorar um novo espaço para além das quatro paredes da sala e dos muros
da escola”
Os materiais naturais e a própria vegetação permitem-nos estruturar e criar espaços. Ao mesmo tempo, a natureza é um regulador térmico perfeito e, por isso, facilita que o espaço tenha as condições de conforto necessárias para construir e habitar nele.
A tudo isso, devemos somar a virtude desse ambiente em transformação de acordo com o clima, a riqueza sensorial que esses elementos naturais nos oferecem e, claro, as infinitas possibilidades que a natureza nos sugere como um elemento de exploração e imaginação por meio dos quais se pode construir novos relatos sobre o que manipulamos e observamos.
A naturalização do espaço exterior vai muito além da introdução da natureza no espaço. Um espaço natural também deve ser entendido como aquele em que as relações e os processos de aprendizagem são criados da forma mais natural possível.
É o caso dos espaços exteriores onde as características de um espaço refletido e impregnado de natureza permitem dar lugar a toda uma série de aprendizagens e relações abertas a toda a comunidade educativa.
“As infinitas possibilidades que a natureza nos sugere como um elemento de exploração e imaginação por meio dos quais se pode construir novos relatos sobre o que manipulamos e observamos”
O que aprendemos, como aprendemos e onde aprendemos?
Os meninos e as meninas do povo do Mali aprendiam sentados à sombra da mangueira. Aprendiam no caminho para a escola e também nas caminhadas pela vila, conhecendo sobre ofícios ou reconhecendo sua história pelas ruas, praças e prédios.
Aprender é um verbo que, como tal, devemos conjugar e, portanto, interpretá-lo com toda a sua riqueza de conjugações. O conceito de aprender não é estático, pelo contrário, devemos entendê-lo como um conceito ativo e dinâmico, valorizando também todas as aprendizagens que ocorrem para além das quatro paredes da sala e dos muros da escola.
Compreendendo o espaço como mais um educador (Loris Malaguzzi), devemos considerar o meio ambiente, seja ele rural ou urbano, como um espaço que também nos oferece essa possibilidade de aprendizagens, ao mesmo tempo que promove a construção da nossa identidade cidadã e comunitária.
Este é o ponto de partida dos Centros de Estudos Urbanos dirigidos pelo arquiteto inglês Colin Ward, nos anos 70 em várias localidades britânicas. Os Centros de Estudos Urbanos eram espaços onde profissionais ligados à cidade e à educação compartilhavam o mesmo espaço com o restante da comunidade. Nesses espaços, meninos e meninas aprendiam por meio do ambiente em que habitavam, participando ativa, crítica e diretamente da transformação e construção do entorno junto com o restante da comunidade.
Para Ward, existe uma relação direta entre a construção da nossa identidade e o mundo que construímos. Por isso, a escola tem um potencial extraordinário para promover a transformação do entorno a partir dessa relação que se estabelece com a comunidade.
“Meninos e meninas aprendiam por meio do ambiente em que habitavam, participando ativa, crítica e diretamente da transformação e construção do entorno junto com o restante da comunidade”
Esses espaços comunitários, mais uma vez, se estruturavam principalmente a partir desse espaço imaterial que construímos por meio das relações humanas. Relações que, ao mesmo tempo, são essenciais para a transformação coletiva do meio que habitamos e compartilhamos.
A realidade das nossas escolas é diversa e nem sempre temos as condições básicas de conforto do espaço que deveriam ter. Porém, se consideramos que o espaço educativo vai além das quatro paredes da sala e dos muros da escola, deveríamos ser capazes de romper esses limites, físicos e mentais, para nos permitir abrir a escola ao seu entorno e valorizar as oportunidades que este nos oferece como espaço de aprendizagem.
O ambiente escolar é claramente condicionado pelo contexto em que nossa escola está inserida. Assim, uma escola situada em meio rural tem o privilégio de poder aproveitar perfeitamente a proximidade do meio natural como mais um espaço de aprendizagem.
Em contraste, certos contextos urbanos não têm essa possibilidade e vivem longe desses ricos ambientes naturais. No entanto, a cidade também oferece várias possibilidades de aprendizagem, se aprendermos a aproveitar as oportunidades que ela nos oferece.
É neste ponto que recai a reivindicação do espaço público: ruas, praças e parques como um espaço inclusivo e diverso que ofereça, também à infância, possibilidades de experiências, aprendizagens e socialização.
Essa demanda da cidade também sugere a possibilidade de repensar o uso de equipamentos próximos às escolas, como centros valorização da cidadania, centros comunitários, bibliotecas ou centros esportivos, teatros, cinemas … desde o ponto de vista educacional. Dessa forma, para além de um espaço compacto e limitado, poderíamos contemplar a possibilidade de compreender a escola como uma relação de espaços dispersos e inter-relacionados, abertos ao entorno.
Uma escola aberta ao bairro, à vila ou à cidade, é também uma escola aberta à comunidade. A escola é um ponto de encontro dessa diversidade a partir da qual se constroem as comunidades educativas e, ao mesmo tempo, é um ponto de partida para relações e projetos que vinculam a escola ao meio ambiente. É assim que a partir da escola também construímos este espaço imaterial a que nos referimos no início deste texto. Um espaço essencial que construímos por meio das relações e experiências que surgem na escola e, claro, um espaço essencial para a construção da nossa comunidade.
“Uma escola aberta ao bairro, à vila ou à cidade, é também uma escola aberta à comunidade”
Valorizar essa imaterialidade do espaço como cenário de vivências e aprendizagens é o ponto de partida desta reflexão pedagógica que nos permite decidir como deve ser a construção material dos espaços. Nesse sentido, entendemos a arquitetura como um meio que nos permitirá abrigar essas relações e experiências por meio do espaço.
Da mesma forma, um aspecto importante a considerar é a relação que o espaço tem com o tempo. Nesse sentido, a reflexão sobre o espaço educacional ou de aprendizagem está diretamente relacionada à reflexão que fazemos sobre o tempo e sua relação com a aprendizagem.
Que tempo, quanto tempo e como são os tempos que destinamos à aprendizagemque destinamos à aprendizagem?
De acordo com os clássicos gregos, o tempo era representado de acordo com três divindades: Cronos,
Aion e Kairós.
Cronos, representa o tempo de forma parcial e linear, tempo limitado por um começo e um fim. Aion representa um tempo imparcial, entendido como um todo, um tempo eterno. Kairós representa o momento oportuno ou o momento supremo.
Se relacionarmos o tempo com a aprendizagem, partiremos do princípio de que aprendemos continuamente ao longo de nossas vidas.
Aprendemos no caminho para a escola, na escola e fora dela. Principalmente, aprendemos por meio desses espaços (materiais e imateriais) onde surge esse momento mágico (Kairós) em que a experiência está relacionada com a aprendizagem. Um processo ativo de aprendizagem que devemos respeitar, dando-lhe o seu tempo e acompanhando-o no espaço.
“Se relacionarmos o tempo com a aprendizagem, partiremos do princípio de que aprendemos continuamente ao longo de nossas vidas”
Tomando como referência essa relação entre o tempo e a aprendizagem, consequentemente o espaço também deve estar em sintonia com esses elementos e, portanto, adquirir também uma perspectiva global.
O espaço educacional, assim como o tempo e a aprendizagem, deve ser entendido como um todo que vai além das paredes das salas e dos muros da escola. Compreender o espaço a partir dessa perspectiva global nos leva a refletir sobre como construir essas experiências e aprendizagens entre os diferentes espaços, bem como construir a continuidade da escola com seu território.
Partindo das características únicas dos diferentes espaços da escola, não podemos pensar a continuidade sem considerar as transições entre os espaços. Essa continuidade é construída precisamente por meio dessas transições, tendo em conta as diversas características dos espaços e as diferentes oportunidades que nos oferecem.
Uma transição contínua que acompanha e responde às diferentes necessidades e momentos da criança. Uma transição contínua que alcançamos por meio de paredes porosas que relacionam o interior com o exterior. Uma transição contínua em forma de varanda, espaço aberto mas coberto situado entre os espaços exteriores e interiores da escola. Uma transição contínua que também construímos quando o pátio da escola se torna a grande praça pública de encontro e transição entre o bairro e a escola.
Uma transição que constrói não só a continuidade entre os espaços da escola, mas também a continuidade entre a escola e o seu entorno, concebendo o espaço educacional como um todo, para além das singularidades que os espaços dentro e fora da escola nos oferecem.
O grande desafio que devemos enfrentar nesses momentos de confinamento e distanciamento social é como a escola pode continuar a construir essas relações e vínculos, seja a partir do espaço físico, seja a partir do espaço imaterial essencial para criar vínculos entre famílias, comunidade e entorno.
Vivemos imersos em um momento de mudança, ou melhor, tomamos consciência de que a mudança é uma condição de vida. A escola, há 50 anos, não era igual à de hoje, pelo menos no que se refere aos aspectos educativos, humanos e sociais. Em 50 anos, as escolas tampouco serão as mesmas de hoje. Tomar consciência dessa mudança em que vivemos, acelerada ainda mais nesses momentos de pandemia global, nos compromete a repensar a escola, não só buscando dar respostas ao presente, mas principalmente, buscando construir o horizonte utópico que queremos alcançar no futuro.
“A utopia está no horizonte. Eu ando dois passos, ela se afasta dois passos e o horizonte se afasta dez passos mais. Então, para que serve a utopia? Para isso, serve para caminhar.” (Eduardo Galeano)
A incerteza atual não nos permite uma previsão clara do futuro, mas, paradoxalmente, é uma tela sobre a qual construir coletivamente as utopias do futuro.
Diante das dúvidas e questionamentos que nos atingem nesses momentos, hoje mais do que nunca, se queremos olhar para o futuro é fundamental nos reconectarmos com as essências a partir das quais se construiu a identidade da escola como agente educacional e social.
“A incerteza atual não nos permite uma previsão clara do futuro, mas, paradoxalmente, é uma tela sobre a qual construir coletivamente as utopias do futuro.”
Essências refletidas na figura daquele professor africano que conseguiu construir o espaço de sua escola à sombra de uma mangueira. As essências da aprendizagem nesses meninos e meninas, caminhando pelas ruas de sua vila e, principalmente, a essência dessa escola que constrói seu espaço físico e emocional por meio das experiências, relações e vínculos entre as crianças e a comunidade.
“É tarde, mas é todo o tempo que temos à mão, para fazer o futuro” (Pere Casaldaliga (1928-2020))
Mireia López Martínez: Professora de educação infantil e psicomotricista. Membro do grupo de trabalho “Como está o pátio” da Associação de Professores Rosa Sensat (Barcelona).
Xavi Rodríguez Soriano: Arquiteto com projetos educacionais, de espaço público e infância no Haiti, Guiné Equatorial, Moçambique e Catalunha. Membro do grupo de trabalho “Como está o pátio” da Associação de Professores Rosa Sensat (Barcelona).