Das políticas à escola. Por uma educação que respeite os direitos dos bebês e crianças

Inspirada por Irene Balaguer, que nos lembra da importância de entender as políticas públicas, para saber para onde elas nos levam, apresentarei a experiência que coordenei na cidade de São Paulo, quando era responsável pela Divisão de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação.

Os Indicadores de Qualidade ajudam-nos a não esquecer que os bebês, meninos e meninas são sujeitos de direitos humanos, são capazes, portadores de todas as melhores potencialidades da espécie humana, desde que os adultos com quem convivem e a sociedade o tenham conhecimento. e agir nessa direção.

No entanto, é importante lembrar que, em agosto de 2016, o Brasil passou por uma drástica mudança de gestão com o golpe parlamentar contra a então presidenta Dilma Rousseff, que colocou em risco diversos programas e políticas públicas de educação que vinham sendo desenvolvidos, o que representou, em muitos casos, um importante retrocesso para as práticas da educação pública de qualidade, que se procurava manter.

Aliado a isso, em outubro de 2018 tivemos as eleições presidenciais que elegeram o candidato da ultradireita que vem causando um desmonte nas políticas públicas, principalmente na Educação. Com cortes para universidades públicas, propostas de gestão antidemocráticas, perseguição às ideias de Paulo Freire e aos cursos de humanidades e ainda com incentivos para escolas cívico-militares, entre outros.

Portanto, o que apresento a seguir se refere à política pública de Educação Infantil que foi implementada na cidade de São Paulo no período de 2013 a 2016, cujo prefeito foi o Prof. Fernando Haddad, que buscava exercer uma gestão democrática em todos os setores de sua administração.

Diversas ações foram desenvolvodas para a implementação desse princípio em todas as áreas, na Educação, uma das estratégias utilizadas foi a criação do Programa Mais Educação – Programa de Reorganização Curricular e Administrativa, Expansão e Fortalecimento da Rede Municipal de Educação de São Paulo. No que se refere à Educação Infantil, as ações relacionadas à elaboração de uma proposta político-pedagógica integradora foram previstas por meio de um currículo que considera bebês e crianças de 0 a 5 anos, como sujeitos de direitos e que possibilita a apropriação de diferentes linguagens e saberes que circulam na sociedade, bem como propôs a articulação com a Educação Básica, envolvendo educadores das duas etapas do ensino, por meio do planejamento de ações que enfatizavam a importância do brincar, da expressão corporal e imaginação, aspectos considerados essenciais para o desenvolvimento de práticas pedagógicas emancipatórias.

Embora São Paulo tenha a maior rede pública de educação infantil do país, o grande desafio dessa gestão foi a expansão das matrículas, para esta etapa da educação básica, com a ampliação do acesso e a garantia dos direitos dos bebês e crianças à Educação Infantil. Por acreditar que não é qualquer educação que promove o desenvolvimento integral de bebês e crianças pequenas, buscou-se construir uma política pública que concilie o acesso à busca pela qualidade social.

Nesse sentido, algumas premissas foram adotadas para implementar esta política:

  • Incluir e acolher todas as crianças nas Unidades de Educação Infantil, ou seja, a expressão “todas as crianças” inclui bebês, crianças maiores, meninos e meninas de diferentes etnias, classes sociais, cultura, nacionalidades, religiões, com deficiência, com transtorno global de desenvolvimento, com superdotação e altas habilidades;
  • Considerar a los niños como sujetos de derechos, actores sociales y productores de culturas infantiles; Considerar las Unidades de Educación Infantil como un “oasis” donde los bebés y los niños puedan vivir plenamente su infancia; Considerar los principios de la Pedagogía de la Infancia, descritos en el documento Directriz Normativa- No. 01/13 Avaliação na Educação Infantil: aprimorando os olhares, – DOT / SME / SP, p. 15 y 16:1
  • Considerar as Unidades de Educação Infantil como um “oásis” onde bebês e crianças podem viver plenamente sua infância;
    Considerar os princípios da Pedagogia da Infância, descritos no documento Orientação Normativa – nº 01/13 Avaliação na Educação Infantil: aprimorando os olhares, – DOT / SME / SP, p. 15 e 16:1

1.   Ter a criança como principal protagonista da ação educativa;
2.   A indissociabilidade do cuidado e da educação na prática pedagógica.
3.   Considerar a criança como centro do Projeto Político Pedagógico;
4.   Permitir que as crianças tenham acesso aos bens culturais, construídos pela humanidade, considerando-os sujeitos de direitos, portadores de história e construtores de culturas infantis;
5.   Reconhecer e valorizar a diversidade cultural das crianças e suas famílias;
6.   Enfatizar o brincar, a alegria e as expressões das crianças na prática pedagógica da construção de todas as dimensões humanas;
7.   Considerar a organização do espaço físico e do tempo como um dos elementos fundamentais na construção desta pedagogia;
8.   Apresentar propostas que promovam autonomia e multiplicidade de experiências;
9.   Permitir a integração de diferentes idades entre grupos ou turmas;
10. Ter a arte como base na formação dos profissionais da primeira fase da Educação Básica;
11.  Estabelecer parcerias de participação com as famílias;
12.  Estender o “espaço educacional” à rua ao bairro e à cidade;
13.  Buscar a continuidade educacional da educação infantil ao ensino fundamental.

Protagonismo das educadoras e educadores: são eles que organizam as condições para o protagonismo de bebês, meninos e meninas. A chave do seu trabalho é a organização das experiências que os bebês e crianças vivem nas Unidades Educacionais e exige que eles planejem sua prática pedagógica e a replanejem com os bebês e crianças de sua turma, selecionem e organizem a disposição dos materiais, organizem as formas de gestão do tempo e tenham a preocupação de estabelecer relações democráticas com o grupo de crianças, colegas e familiares.

A gestão democrática que se concretiza pelo princípio da participação negociada nos grupos de formação com as educadoras e educadores pela metodologia dialógica na busca de consensos (mesmo que provisórios) na construção do currículo e na elaboração de documentos que norteiam a implementação da Política de Educação Infantil e pela autoavaliação institucional participativa.

Perguntas como: O que bebês e crianças nos revelam? O que eles e nós fazemos? Como podemos avaliar a participação dos meninos e meninas? Estiveram sempre presentes nas reflexões e discussões que fazíamos, nos grupos de formação para que suas narrativas pudessem ser consideradas, pois a pratica pedagógica revelava que os bebês e as crianças são colaborativos e solidários e como exploravam o espaço e os materiais oferecidos.

Na atuação dos professores e professoras com os meninos e meninas é necessário ter as brincadeiras e as interações como eixo do Currículo na Educação Infantil, para considerar todo o processo educativo e seus sujeitos, a valorização e autoria, o protagonismo de bebês, crianças e meninas, educadores e educadoras onde a diversidade, as diferenças e o compromisso com a igualdade são reconhecidos e valorizados.

Todas essas premissas descritas acima retratam o projeto de educação e sociedade voltado para as crianças de São Paulo, que sempre foi o pano de fundo das ações de formação desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Educação- SME/SP na Educação Infantil que resultaram em documentos que orientaram a implementação da política desenvolvida. Vamos destacar um deles: “Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana”2, que é um instrumento de autoavaliação institucional participativa para todas as unidades educacionais da Rede Municipal de Educação de São Paulo e tem como foco o contexto educacional, que visa promover o debate sobre a condições necessárias para uma educação infantil de qualidade.

“a qualidade não é um valor absoluto, não é um produto, não é uma informação, mas sim se constrói, por meio da conscientização, da troca de conhecimentos, do confronto construtivo de pontos de vista, do hábito de pactuar e examinar a realidade, da capacidade de cooperar em aspectos de “transformação para melhor”.

A construção dos indicadores de qualidade da educação infantil em São Paulo foi um processo que perdurou os quatro anos da gestão Haddad e sua elaboração levou em consideração, além do conceito de qualidade defendido por Bondioli, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (2010)3; os Indicadores de Qualidade na Educação Infantil publicados pelo Ministério da Educação – MEC, em 2009;4 a Portaria Normativa SME / SP 01/13, que traz consigo as concepções de criança, a infância, o currículo, o perfil do educador e a avaliação da aprendizagem e dos percursos vivenciados por toda a rede de educação infantil do município em 2013, 2014 2015.

Em 2016, após um longo processo de construção com a participação da equipe gestora, professores, equipe de apoio, famílias e, em algumas unidades, também crianças, os Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana passaram a ser em documento oficial, política pública assumida pela Rede Municipal de Educação / Secretaria Municipal de Educação / São Paulo – RME / SME / SP com o objetivo de auxiliar as Unidades de Educação Infantil na revisão de seus Projetos com vistas a práticas emancipatórias que consideram as seguintes dimensões: 1. Planejamento e gestão educacional; 2. Participação, escuta e autoria para bebês e crianças; 3. Multiplicidade de experiências e linguagens em contextos lúdicos para crianças; 4. iterações; 5. Relações étnico-raciais e de gênero; 6. Ambientes educativos: tempos, espaços e materiais; 7. Promoção da saúde e do bem-estar: experiências de cuidado, cuidado de si, do outro e do mundo; 8. Formação e condições de trabalho dos educadores; 9. Rede de proteção sociocultural: unidade educacional, família, comunidade e cidade.

Entendemos que, conforme aponta os Indicadores da Educação Infantil Paulistana (2016, p.9):

“Para que um determinado conceito de qualidade se torne explícito e se aplique às situações reais do dia a dia, é necessária a definição das dimensões da qualidade. Distinguir entre diferentes dimensões da qualidade não significa considerar que estão desconectadas umas das outras, mas, pelo contrário, implica reconhecer que essas dimensões tocam em aspectos muitas vezes comuns. Portanto, as dimensões da qualidade buscam iluminar diferentes ângulos de um mesmo processo educacional, de forma a permitir a reflexão e a discussão coletiva e facilitar o desenvolvimento de um plano de ação que enfoque os diferentes problemas que devem ser superados para obter ganhos com a qualidade desejada”.

Mesmo considerando que todas as dimensões são importantes e estão interligadas, destacaremos duas dimensões que se agregaram aos Indicadores Nacionais de Qualidade e que acreditamos que pelo momento histórico atual que vivemos em nosso país é de extrema importância.

DIMENSÃO 2: Participação, escuta e autoria e bebês , meninos e meninas, que apresentam os seguintes indicadores: – A escuta de bebês, meninos e meninas em suas diferentes formas de se expressarem; – Vozes infantis no planejamento e formação; – Autoria, participação e escuta na documentação pedagógica.

Esta dimensão nos permitiu assumir:

  • Que, no cotidiano, as educadoras e os educadores favoreçam e promovam a participação, a autonomia de bebês, meninos e meninas, compartilhando propósitos, considerando as opiniões das crianças, negociando pontos de vista e significados, tomando decisões conjuntas, garantindo e valorizando suas criações.
  • Entenda que ouvir bebês e crianças não se restringe à capacidade de audição dos adultos. Significa, acima de tudo, “a disponibilidade intencional, ética, respeitosa e imparcial de compreender as formas imaginativas, criativas e poéticas que bebês e crianças podem ver, sentir e pensar sobre o mundo, suas hipóteses, sonhos, criações, culturas, desejos, necessidades, bem como, os desafios, preocupações e desigualdades que marcam suas vidas desde a primeira infância”.

DIMENSÃO 5: Relações étnicas e de gênero, com os seguintes indicadores: – Currículo e prática pedagógica; – Relacionamentos e atitudes; – Desempenho dos profissionais; e – Construção de identidade positiva

Esta dimensão nos permitiu assumir:

  • A construção de uma percepção positiva das diferenças étnicas e de gênero, vivenciando um ambiente educacional igualitário que respeita e discute as diferenças, possibilitando a autoestima de todos os bebês, meninos e meninas negros, indígenas, imigrantes e brancos.
  • Reconhecimento do papel fundamental da educação no combate ao racismo e ao sexismo, assumindo o compromisso de promover a igualdade étnico-racial e de gênero. E, consequentemente, promover a igualdade de acesso, tratamento e oportunidades no desenvolvimento integral de bebês, meninos e meninas.
  • O repensar das intenções presentes nos currículos, nas imagens das paredes, corredores e murais, nas histórias lidas e / ou oferecidas a bebês, meninos e meninas, nas celebrações / festas que estão presentes no cotidiano das escolas.
  • Investigar e refletir, com a comunidade escolar, como o racismo tem se perpetuado no espaço educacional e como as diferentes populações negra, indígena, branca e imigrante são valorizadas e representadas e, portanto, constroem caminhos que norteiam o fazer e o pensamento da educação para que seja, efetivamente, para todos.

Considerações finais
Os Indicadores de Qualidade ajudam-nos a não esquecer que os bebês, meninos e meninas são sujeitos de direitos humanos, são capazes, portadores de todas as melhores potencialidades da espécie humana, desde que os adultos com quem convivem e a sociedade tenham consciência disso e ajam nessa direção.

Muitos ainda são os desafios para o Brasil garantir a todos os seus bebês, meninos e meninas o direito à educação infantil, como direito público e subjetivo, como dever do Estado, mas acreditamos que o maior deles é fazer com que os avanços que foram duramente conquistados por profissionais que atuam na área da Educação Infantil, movimentos sociais e a sociedade brasileira como um todo, não se extingam, pois crianças, professores, famílias e escolas resistem a todos dias .

A título de exemplo, convido todos e cada um dos leitores deste artigo a visitar o site: https://www.youtube.com/watch?v=espYQmxlKns, que apresenta uma experiência da Escola Municipal de Educação Infantil João Mendonça Falcão, que ganhou o 3º Prêmio Territórios com o projeto Música e Jogos na Educação Infantil: todos os recantos e encantos da infância.

Concluo com o grande educador brasileiro Paulo Freire:

“Acreditamos que a educação por si só não transforma a sociedade, sem ela a sociedade também não muda. Se a nossa opção é progressista, se somos a favor da vida e não da morte, da equidade e não do arbítrio, de viver com o diferente e não com a sua negação, não temos outro caminho senão viver a nossa opção, e incorporá-la, reduzindo assim a distância entre o que dizemos e o que fazemos.”

Que Paulo Freire nos inspire a nunca abandonar os princípios democráticos da justiça, da equidade, a viver com respeito pelos diferentes e mútuos em nossa prática pedagógica cotidiana com os pequenos e suas famílias.

Referências
BONDIOLI. Anna(org.). O prometo pedagógico da creche e sua avaliação: a qualidade negociada. Campinas-SP: Autores Associados,2004.
BRASIL. Ministério da Educação. Indicadores da Qualidade na Educação Infantil. Brasília: Secretaria de Educação Básica,2009.
SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana. São Paulo: SME/DOT-EI,2016.Disponível em: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/25101.pdf
SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. Avaliação na Educação Infantil: aprimorando os olhares. São Paulo: SME/DOT-EI,2014. Disponível em: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/35748.pdf

Notas:
1. Para ver o documento na integra acessar o site:
file:///C:/Users/55119/Downloads/orient_normativa1_web_completo.pdf
2. Para conhecer o documento acesse o site:
http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/25101.pdf
3. Para conhecer o documento acesse o site:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=9769-diretrizescurriculares-2012&category_slug=janeiro-2012-pdf&Itemid=30192
4. Para conhecer o documento acesse o site:
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/indic_qualit_educ_infantil.pdf

 

 

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