“Os espaços são como as pessoas.
Eles nascem, crescem, se transformam.
Alguns têm aventuras.”
Pablo Neruda
A aventura espacial
Os Tripticos nasceram em Rosário e Santa Fé, Argentina, como um desafio. Por sua vez, foram apresentadas como oportunidades repletas de questionamentos.
Seria possível criar espaços públicos, permanentes, destinados ao brincar e à convivência, a começar pelos pequenos, mas na realidade destinados a toda a cidadania?
As perguntas poderiam ser mais específicas.
Existe uma maneira de colocar em ação, no objeto, na forma, na cor, o “modo de estar no mundo de uma criança” para transformá-lo em uma nova configuração no espaço da utopia da convivência, onde as grandes metáforas do humano se apresentem, se construam e se desconstruam e onde seja possível entrar num mundo intergeracional e criativo?
Seria possível projetar espaços expositivos de interação permanente que contribuíssem para a construção de vínculos entre as pessoas, dando liberdade e dignidade aos cidadãos, e não imitando de forma alguma as estratégias de mercado?
Seria possível construir ambientes que sejam múltiplos e contenham em sua arquitetura uma visão estética de mundos extracotidianos e, ao mesmo tempo, a sensação de conter muitos mundos e climas, um dentro do outro?
Seria possível criar com a paisagem, a arquitetura e a ambientação uma intervenção no espaço-tempo para que o tempo passasse de “outra forma”, que os espaços criassem emoções e apropriações, a luz e o “direito ao escuro” provocassem contrastes, sentimentos de estranheza, caminhos não lineares, olhares cautelosos, percepções diferentes, enfim, colocando o corpo sem divisões corpo-mente?
Seria possível, enfim, que o trânsito não fosse linear e que a viagem e o desvio pudessem ser recuperados em aprendizado e prazer? Seria possível que o Museu-anti-museu se tornasse a jornada mítica do viver, a jornada de aprender a conviver?
Todas as questões supracitadas, e infinitas, alimentam esta introdução porque são, em última análise, as bases, os percursos e os objetivos dos lugares que compõem o Tríptico da Imaginação e o Tríptico da Infância.
Para contar brevemente a aventura de seus espaços, diremos antes de tudo que os nomes não são felizes ou pelo menos não “dizem o que dizem”. Talvez isso seja um mérito, pois nada é apenas o que se nomeia, “é algo mais e outra coisa”, como disse a grande poetisa argentina Alejandra Pizarnik.
La Granja de la Infancia nasceu em Rosário, Argentina, em maio de 1999, um passeio urbano que inaugurou uma nova forma de pensar a cidade. Depois vieram El Jardín de los Niños, no parque central da cidade, e La Isla de los Inventos, na antiga estação ferroviária junto ao rio. Em dezembro de 2010, na cidade de Santa Fé, El Molino, Fábrica cultural, La Esquina Encendida e La Redonda, Arte e vida cotidiana, celebraram o nascimento de um novo Tríptico.
Esses espaços não se diferenciam entre si por divisões como meio ambiente, cultura, ciência e construção. Cada um deles contém toda essa oferta. Seus campos e desenvolvimentos poderiam ser assim sintetizados: La Granja é o corpo brincando entre natureza e cultura. El Jardín convoca o poder da imaginação para inventar, inovar, criar o poético. La Isla trabalha com materiais, linguagens, mídias e suportes, fazendo da construção um compromisso intergeracional. La Redonda coloca a vida cotidiana em jogo e movimento. El Molino implanta toda uma fábrica de design e construção para experimentar diferentes materiais. La Esquina é jovem e promove o encontro, a criação e a participação coletiva.
Trata-se de integrar as dicotomias corpo-mente, teoria-prática, forma-conteúdo, objeto-sujeito, bem como superar a divisão entre artes e ofícios, ética e estética, através dos grandes promotores do ser humano e da vida: a brincadeira e o ritmo, a ideia de percurso, trajeto, viagem.
“Há horas na infância em que toda criança é um ser incrível, aquele que percebe o espanto de ser. Descubramos assim, em nós, uma infância imóvel, uma infância sem devir, liberta do mecanismo do almanaque.”
Gastón Bachelard
Com as crianças para todos
Uma criança pequena não percebe a diferença total entre o real, o imaginário e o simbólico. Um galho pode ser, durante o dia, uma árvore com nome científico. À noite, poder ser a sombra do medo, e ao amanhecer, o próprio medo, “aquela outra coisa”.
A criança ainda não construiu o pensamento lógico formal, nem lhe foi ensinada a relação causa-efeito. Portanto, nela nascem explicações mágicas, lógicas diferentes do silogismo e poéticas que despojam, a nosso ver, a lógica da suposta lógica. Uma criança não divide corpo e mente. É seu corpo e ela o percebe como outro apenas quando sente alguma dor e está com fome. Algo assim como perceber o corpo apenas quando tem um sintoma.
A criança aprende através da ação, do brincar e da transformação. Ele ama e se apaixona pelo mundo das formas. A redondeza e o som das palavras lhe causam emoção. Não foi alcançado pela separação forma-conteúdo em que o sentido parece “engolir” o devaneio da dimensão formal.
A criança vive imersa no ritmo da vida e das coisas. Ela coloca seu próprio corpo em ritmo o tempo todo e se surpreende com o espaço como algo mais do que os cenários de sua vida.
Os “mundos dentro do mundo” que esse espaço implica, tão bem apresentados nas histórias infantis tradicionais, significam a passagem de uma realidade para outra, o ritual de entrada no fantástico, no mágico, no diferente. O espaço é uma metáfora do próprio crescimento e do encontro com os outros. Constitui um campo imaginário de aprendizagem e invenção.
Nessa perspectiva, chegamos a um conceito revelador em nossa prática: as crianças nos oferecem certas “entradas” para a utopia do humano enunciada a partir delas e para todas as idades.
Assim nasceram os espaços com uma forte configuração estética, que escondem metáforas e mistérios a que o adulto lhes dá um significado emocionante: uma cadeira de balanço com uma canção de embalar pode lembrar a origem; o caos contado como uma explosão de cores e formas pode ser uma festa e um momento maravilhoso para o início do universo; as pedras que cobrem palavras censuradas pela ditadura, convidam a libertá-las do peso que as esconde; as fábricas têxteis nos colocam na cultura da máquina de costura criando o vestido de noiva ou a colcha da cama que nossas mães nos fizeram; a fábrica de madeira imita o barracão do avô, onde se criava um barco numa garrafa ou uma torre de fósforos entre a magia das ferramentas e os dias de chuva.
Um modelo completo de cidadania: não se constrói sem costurar pedaços de memória, sem descobrir a beleza das formas e sua capacidade de ser o conteúdo, sem viajar juntos pela vida para aprender.
Por isso, criamos artefatos de madeira, fábricas, jogo de palavras, onde se encaixam o barracão de ferramentas e o cubismo, a quermesse dos bairros antigos e o grotesco argentino, a abstração geométrica e a cultura dos trens, a poesia e a ciência da incerteza. São saberes aprendidos na ação, com um corpo que não se comporta, ou seja, distribuindo afetos, encontrando soluções. Diferenciar-nos e unir-nos, para produzir a transmissão de conhecimentos e experiências que herdamos.
Brincar e construir para saber que somos protagonistas da História e da nossa história. Os “novos” vêm dizendo em ação que o mundo parou e que a beleza não está atravessando o fazer humano.
Pelo que foi dito, propõem-se o Tríptico da Infância e o Tríptico da Imaginação a:
- Integrar o mundo adulto na utopia narrada de conviver, criar e viajar no tempo e no espaço entre gerações.
Combater dicotomias que não favorecem a harmonia do corpo e as possibilidades de exploração e crescimento. - Uma concepção não linear do tempo-espaço. A memória como recuperação subjetiva e coletiva. O extra-cotidiano para denunciar a lógica consumista e midiática de um determinado cotidiano.
- Um compromisso com o mundo poético e as operações criativas. Faça o pensável e o impensável. O exercício do brincar como aprendizado do movimento interno dos processos criativos.
- Uma integração constante de múltiplas linguagens como recarga simbólica em um mundo tendente à literalidade, afastando o conceito de linguagem da arte e das linguagens expressivas, visto que a linguagem é mais abrangente e democrática: são mundos simbólicos, autorregulados em seus elementos significantes, construtores de sentido, que podem ser escritos ou grafados, expressos e comunicados a outros, que fazem a mediação entre nós e são essenciais quando se trata de conhecimento. As linguagens, mídias, desenhos e suportes são a forma como a cultura nos torna seres humanos imaginativos, projetuais, memoráveis, afetivos, solidários, únicos. Afinal, o corpo é uma linguagem e é, por sua vez, a encruzilhada e o dispositivo de ação de todas as linguagens.
“O verbo ser…, toda a essência da linguagem está nesta palavra singular. Sem ela, tudo teria permanecido em silêncio e os homens, como certos animais, teriam podido fazer uso da voz, mas nenhum desses gritos lançados jamais teria elaborado a grande cadeia da linguagem…”
Michel Foucault
Narrativas museológicas. O texto dramático.
Devemos começar dizendo que nossos Trípticos combinam origem e reprodução. Somos filhos da arquitetura e da paisagem, da cópia e da desconstrução. Nossos espaços não seriam possíveis em outro momento histórico.
Os seis lugares estão dispostos como rotas que contêm um caminho dentro do outro, como Alice passando por espelhos, cuja multiplicidade convida à viagem com desvios. Os percursos têm apostas estéticas muito diferentes, colocando texturas e linguagens predominantes no centro da ação. A montanha encantada, por exemplo, é pedra escrita e vegetação variada, uma instalação sonora onde as árvores falam como memória, a água canta dividindo o tempo e a pedra indica o destino como nas mitologias conjuntivas. De uma plataforma de estação ferroviária, lúdica e austera, uma porta nos leva a uma fábrica bagunçada e ativa. Lá, o papel nasce, impresso, estampado, costurado e montado. Subindo à fábrica têxtil, o tempo pára entre o tear e a manta de todos enquanto um mundo adjacente de telas iluminadas transforma um desenho em movimento.
Um dos Quiosques que compõem o sistema de Quiosques de Arte Atual Isla de los Inventos de Rosario Quiosque de formas geométricas. Espetáculos “Como coisa do seu coração” (sobre a felicidade, entre a infância e o mundo adulto)
Dispositivo Homenagem ao mundo da cor, feito na Ilha das Invenções (Tríptico da Infância. Rosário) e La Redonda. Arte e Cotidiano (Tríptico da Imaginação. Santa Fé. Capital)
Existem várias narrativas para organizar as exposições, mas elas são secretas. As conhecemos aqueles de nós que criam dispositivos lúdicos e projetam a configuração e a montagem.
A narrativa dos Trípticos assemelha-se ao teatro de objetos: a luz define os espaços, a tela separa, os objetos nos convidam a dar vida, investigar e imaginar. Um espaço cenográfico onde os materiais e as coisas fazem do cidadão o protagonista e, de sua cena, a cena dramática.
Os animadores trazem-lhes possibilidades, são seus cúmplices, ajudam-nos a manipular a ilusão e a cuidar da situação criativa. Promovem o encontro entre pessoas e coisas que começam a vibrar. São companheiros na transição dos ritos de passagem espaciais e vitais.
Tudo acontece em lugares onde o tempo é diferente, cada um se olha em suas telas interiores e vive o drama de criar com os outros. A beleza se apossa do nível do trabalho.
A narrativa não é um roteiro com base conceitual, é um texto dramático onde se colocam em confronto e alteridade, buscas e materiais, corpos e saberes.
“Vamos cuidar do público, porque para alguns é a única coisa.”
Javier, 10 anos
O desafio público
Devemos enfatizar que esses lugares seriam impossíveis sem fazer parte do público. Integram um conjunto de espaços públicos estendidos no território. Um projeto pedagógico urbano que visa completar o sistema educacional formal com um sistema amplo, rico e plural, que apoia uma concepção de meio ambiente como paisagem de cidadania.
O espaço público é: território de encontros, cruzamentos, aprendizados e construção de vínculos; patrimônio para desfrutar e transmitir aos nossos filhos; escola de convivência e democracia, política da arte de conviver; memória do passado e marca urbana onde nossa identidade em mudança é deslocada; bem comum, espaço para todos, fábrica de ideias e significados imaginários; ambiente natural e social; conjunto de serviços e ações para o fortalecimento da sociedade civil.
Por tudo isso, os Trípticos garantem acessibilidade econômica, urbana e social, não preveem a venda de produtos que afastem as famílias do brincar e da criação, e implementam um sistema duplo de atenção às escolas e famílias que cria uma multiplicidade de relações e introduz critérios de igualdade e inclusão social.
A arquitetura, a luz, a cor, as texturas, são pensadas a partir do corpo do cidadão e dispostas para promover os vínculos interpessoais. Assim o descanso, os ritmos, a apropriação do lugar são atravessados por um minucioso estudo temporal-espacial, fazendo da poética e da metáfora uma máquina de transformação. O som ambiente não indica nem oferece. Projeta-se silêncio e o próprio som do estar junto, do brincar e do fazer.
As paisagens da cidadania nos fazem vislumbrar pessoas livres, escolhendo rotas, animadas pela ação e transformação, em ambientes multissociais e multiculturais, envolvidas em diversas estéticas, encontrando sentido e aprendizado. É uma paisagem entre nós, baseada na metáfora, na imaginação e na esperança.
Uma forma de encenar a utopia do viver e o percurso educativo.
Chiqui González
Representando as pessoas que criaram os trípticos. Assessora de infâncias do centro cultural Néstor Kirchner (Buenos Aires).