Reflexões pedagógicas. Contribuições para a instituição educacional: instrumentos que medem a qualidade dos espaços para crianças

Desde a década de 1980, foram concebidos instrumentos que permitem medir a qualidade dos espaços para crianças. Até o momento, existem várias ferramentas padronizadas que foram usadas em diferentes países ou cidades, com diferentes níveis de sucesso ou de acolhida. Essas ferramentas permitem gerar indicadores que ajudam a ter medidas por meio de pontuações altas e baixas que qualificam as características dos espaços infantis. Por exemplo, em algumas cidades dos Estados Unidos da América esses instrumentos ajudam a ter um padrão que permite qualificar ou não os ambientes como adequados para uso por meninas e meninos. Mas, talvez, o verdadeiro valor desses instrumentos não esteja na possibilidade de gerar mudanças no sistema educacional, mas na contribuição que eles podem oferecer a cada unidade educacional em particular, às unidades que encontram no seu uso uma oportunidade de melhoria no nível institucional.

Usos de instrumentos que medem espaços para crianças
Os espaços educativos “são ambientes que promovem o desenvolvimento da aprendizagem dos estudantes. Esses espaços facilitam as inter-relações dos estudantes com pessoas, objetos, realidades ou contextos, que proporcionam experiências e informações valiosas para atingir objetivos específicos ou resolver problemas com pertinência e criatividade. Esses espaços são desenhados e organizados de acordo com as concepções sobre como os estudantes aprendem, e são utilizados de acordo com as intenções pedagógicas dos/as professores/as e a própria curiosidade dos estudantes” (Minedu, 2016a. p. 193).

Especificamente, o ambiente educacional de qualidade refere-se a “como a organização dos espaços, equipamentos lúdicos e móveis dentro e fora da sala-referência respondem à criança como sujeitos de ação, gerando interesse e oportunidades de aprendizagem. Da mesma forma, nesse ambiente, deve ser assegurada a existência de materiais acessíveis, suficientes e adequados à idade dos meninos e/ou meninas para brincadeira como atividade principal no alcance de suas capacidades. Além disso, o ambiente deve, por meio de interações positivas, promover o raciocínio e proporcionar vigilância permanente às crianças, garantindo assim sua segurança física e emocional. Por fim, nesta área, a comunicação e a participação afetiva e efetiva de pais e mães devem ocorrer para fortalecer a identidade do menino e/ou menina” (Minedu, 2015a, p. 7).

Instrumentos como a Escala de Avaliação Ambiental da Primeira Infância (ECERS-R) e a Escala de Avaliação de Bebês e Crianças (ITERS-R) são usados ​​em alguns países e regiões como padrões de qualidade ambiental; assim, tornam-se referências nacionais, regionais ou locais que nos permitem identificar onde estamos, para onde vamos e que ações devemos considerar para a melhoria contínua; assim como de conhecer o impacto das ações realizadas em relação à proteção da saúde, apoio e orientação para construir relações positivas, que estimulem o desenvolvimento e que permitam promover o desenvolvimento das habilidades comunicativas, criativas, cognitivas e motoras; além de disponibilizar para meninas e meninos diversos recursos e materiais relevantes, variados e em quantidade suficiente.

Uma iniciativa global é o Measurement of Early Learning Quality and Outcomes (MELQO), que visa medir tanto a qualidade dos ambientes de aprendizagem na primeira infância quanto a aprendizagem e desenvolvimento na primeira infância, de meninas e meninos, e é composta por dois instrumentos: (1) o Módulo Qualidade de Ambientes de Aprendizagem (MELE) que mede o ambiente físico, abordagens pedagógicas e exploração de conteúdos; e (2) o Instrumento de Desenvolvimento Infantil e Aprendizagem Precoce (CDL), que mede o desenvolvimento inicial de habilidades matemáticas e de comunicação, desenvolvimento socioemocional e físico e função executiva. Essas duas ferramentas podem ser adaptadas a diferentes contextos e permitem relatórios globais e nacionais de relevância política sobre necessidades específicas para melhorar as salas da pré-escola.

Da mesma forma, esses instrumentos têm importante potencial para serem utilizados no monitoramento das insittuições educativas, por exemplo, pelas autoridades que realizam o acompanhamento dos municípios, prefeituras ou instâncias locais de gestão educacional. Além disso, como apontamos no início, essas ferramentas podem ser utilizadas por instituições que buscam melhorar seus espaços educacionais de forma integral. No Peru, foi desenvolvido um guia que busca promover a qualidade dos espaços educativos a partir da implementação de diretrizes que permitam aos atores educacionais compreender e melhorar autonomamente as situações de seus contextos educativos (ver em Minedu, 2016b). Esse contém insumos que ajudam a refletir sobre o entorno educativo e a prática docente, além de identificar e tomar consciência das atividades que podem ser incorporadas, reforçadas ou deixadas de lado, com a intenção de gerar condições que beneficiem os meninos e meninas da Educação infantil.

Os direitos de meninas e meninos e a medição da qualidade dos ambientes educacionais
O uso de instrumentos confiáveis ​​que coletam informações sobre os fatores que intervêm no desenvolvimento e aprendizagem de meninas e meninos tornam-se referências fundamentais quando estão no âmbito do fortalecimento de concepções do melhor interesse de meninas e meninos como sujeitos de direitos, de ação mais do que de reação, abertos ao mundo, sociáveis, integrais, únicos e com diferentes capacidades e que se desenvolvem de acordo com sua maturidade e exigem diferentes aspectos que permitam atendê-los, como o uso de materiais educativos pertinentes, interações positivas entre professores e meninos e meninas, os equipamentos utilizados no estabelecimento educativo, os espaços recreativos, entre outros.

Sob essa perspectiva, o Ministério da Educação do Peru desenvolveu, em 2014, um estudo que visava ter indicadores para o nível de educação infantil por meio de uma linha de base (Minedu, 2015a). Foram coletadas informações sobre a qualidade do ambiente educacional e o desenvolvimento infantil de meninas e meninos que frequentavam salas de cinco anos de instituições educativas da modalidade escolar, nas áreas urbana e rural, e de gestão pública e privada, no âmbito nacional. Um dos instrumentos utilizados foi a versão revisada da Early Childhood Environment Rating Scale, conhecida como ECERS-R, que mede a qualidade do ambiente educacional. O outro é o EDI Early Development Instrument, que permite identificar o nível de desenvolvimento de diferentes populações de meninos e meninas. Da mesma forma, foram desenvolvidos questionários de fatores associados para pais, professores/as e diretores/as.

Os resultados desta avaliação nacional indicam que a qualidade do ambiente educacional no nível de educação infantil atinge o nível mínimo de qualidade, na média geral. Das seis subescalas avaliadas, três (rotinas de cuidados pessoais, espaços e móveis e atividades e materiais) estão abaixo do nível mínimo de qualidade, sendo recomendado gerar ações para atender esses aspectos avaliados. Da mesma forma, os resultados sobre o nível de desenvolvimento em meninas e meninos de 5 anos, indicam que 3 em cada 10 crianças não desenvolveram competências e habilidades necessárias para iniciar o ensino fundamental e, como resultado específico, 1 em cada 3 meninas e meninos apresentam um desenvolvimento inadequado nas habilidades de comunicação e conhecimentos gerais, o que significa que essas crianças entrarão no ensino fundamental menos preparadas para aprender, colocando-as em situação de desvantagem em relação aos seus outros pares; portanto, requerem o planejamento de diferentes estratégias que favoreçam seu desenvolvimento integral, principalmente nas populações mais vulneráveis.

Esses instrumentos, como muitos outros, são usados ​​para fornecer relatórios nacionais e fazer comparações globais; mas noutros casos servem para avaliar e/ou monitorizar em nível dos serviços educativos, programas, redes ou distritos que fornecem dados específicos que facilitam a tomada de decisões oportunas e concretas; o único requisito importante é ter pessoal formado e/ou certificado para o uso dos instrumentos, o que permite ter informação fiável dos mesmos.

Obstáculos e desafios no uso de instrumentos padronizados
Há uma necessidade comum a todos os países de gerarem sistemas de dados de alta qualidade sobre a primeira infância que permitam tomar decisões sobre quais políticas públicas implementar, com base nos resultados de relatórios de medição nacionais e/ou regionais. Essa demanda em grande escala inclui também informações sobre fatores associados da população estudada, o que implica a aplicação de instrumentos a diferentes atores educacionais, famílias ou comunidade; portanto, exigem um investimento substancial dos países, desde a elaboração e/ou adaptação por meio de processos piloto e validação das ferramentas, até a coleta e processamento dessas informações, são enormes os esforços que os países fazem para ter instrumentos padronizados e têm de lutar, em muitos casos, com o pouco tempo previsto para a implementação, a disponibilização de recursos, como pessoal qualificado em todos os processos, orçamentos aprovados oportunamente e a disponibilização de plataformas digitais que facilitem a recolha e tratamento da informação.

Da mesma forma, sabemos que instrumentos padronizados devem considerar a diversidade linguística, geográfica, de aprendizagem e cultural das crianças na primeira infância, uma vez que a população avaliada torna-se referência para comparação com outros grupos populacionais. Portanto, é necessário ter indicadores sobre essa diversidade e, por conseguinte, ter instrumentos validados e adaptados para essas populações específicas, tornando seu uso mais complexo.

Outro desafio do uso de instrumentos padronizados está baseado no resultado esperado da aplicação, caso seu uso considere um alto impacto devido às consequências que sua aplicação traz, como mudanças na estabilidade no emprego dos funcionários ou mudanças na gestão ou, considerando a continuidade de um programa, durante a implementação ele reunirá diferentes percepções ou oposições em seu uso, mas se o uso for de diagnóstico e monitoramento contínuo que permita fazer melhorias a curto e médio prazo, esses instrumentos têm maior aceitação. Da mesma forma, mesmo em nossa região não existe internalizada uma cultura de avaliação referente, contínua que permita a tomada de decisões em tempo hábil.

Sugestões às escolas
Antes de projetar, adquirir ou concordar com o uso de um instrumento de avaliação ou monitoramento, é necessário primeiro definir o que esperamos ter como resultado dessa avaliação e, com base nessa definição do resultado esperado, analisar quais instrumentos estão disponíveis e/ ou que poderiam ser adaptados para uso pelas unidades educacionais. A inclusão desse resultado esperado no planejamento das atividades institucionais permitirá gerar ações sinérgicas para o bem-estar de meninas e meninos.

Por fim, apontamos aspectos que devem ser levantados em conta na busca da qualidade de espaços adequados para crianças, principalmente para meninas e meninos menor da nossa sociedade.

  • Brincadeira livre. Por se tratar de uma atividade espontânea, prazerosa e não dirigida, deve ser facilitada com a devida organização dos setores na sala de atividades, bem como fora dela, quando o jogo é jogado livremente no recreio. Além disso, permitir e respeitar meninas e meninos encontrar um espaço para sua privacidade (por exemplo, quando querem ficar sozinhos ou na companhia de outro menino ou menina, sem interrupções).

  • Interações positivas. A promoção de relações positivas entre crianças e corpo docente em um ambiente saudável favorece o amadurecimento emocional, físico e cognitivo. Nesse quadro, deve-se integrar a promoção da reflexão e do raciocínio, bem como a elaboração de normas e acordos de convivência. Além disso, as interações entre meninas e meninos, num quadro de relações respeitosas e cooperativas, que incluem a gestão adequada dos conflitos. Tudo isso, sem perder de vista as interações entre a equipe da escola e as interações entre o/a professor/a e a família.
  • Organização de móveis, equipamentos e materiais dentro e fora da sala de atividades. Distribua os espaços considerando que eles facilitem o movimento, as interações, o tipo de jogo (tranquilo ou em movimento) para jogar, seja dentro ou fora da sala de aula. Para além de condicionar estes espaços com mobiliário, equipamentos e materiais variados, suficientes, adequados à idade, acessíveis e em boas condições, considerando o envolvimento de meninas e meninos nesta organização e implementação.

  • Proteção e cuidado. Promover rotinas de cuidados pessoais e prevenção de doenças por meio de práticas de saúde, como lavagem contínua das mãos, assoar o nariz com lenço quando necessário, cobrir boca e nariz com o antebraço ao espirrar ou tossir, entre outras. Além de garantir a manutenção adequada dos espaços para evitar perigos, ter materiais de emergência ao alcance, realizar práticas de segurança com as meninas e meninos garantem seu bem-estar físico

  • Condições para o trabalho docente. Condicionar e/ou gerar espaço para uso do corpo docente, como ter espaço para guardar seus pertences pessoais, ter banheiros para uso de adultos e espaços comuns para professores/as. Além disso, proporcionar-lhes oportunidades de desenvolvimento e crescimento profissional, acompanhamento, monitoramento, espaços de diálogo, avaliação reflexiva a partir da autoavaliação, tudo isso promove o bem-estar do/a professor/a no contexto educativo.

Rosina Vanessa Sánchez Jiménez
Psicóloga, professora universitária e consultora de pesquisa educacional sobre habilidades socioemocionais no Ministério da Educação do Peru.

Magaly Milagros Garrido Ayre
Professora e consultora em capacitação, monitoramento e avaliação no Ministério da Educação do Peru.

Referências:
• Harms, T., Clifford, M., & Cryer, D. (1998). Early Childhood Environment Rating Scale, Revised Edition (ECERS-R). Vermont: Teachers College Press
• Minedu (2015a). Informe de indicadores clave de la evaluación nacional de educación inicial. Lima. Ver en: https://repositorio.minedu.gob.pe/handle/20.500.12799/4583
• Minedu (2015b). Marco de trabajo de la evaluación nacional de educación inicial 2014. Lima. Ver en: https://repositorio.minedu.gob.pe/handle/20.500.12799/4584
• Minedu (2016a). Currículo Nacional de Educación Básica. Lima. Ver: http://www.minedu.gob.pe/curriculo/pdf/curriculo-nacional-2016-2.pdf
• Minedu (2016b) Entorno educativo de calidad en Educación Inicial. Guía para docentes del ciclo II. Ver en: https://repositorio.minedu.gob.pe/handle/20.500.12799/7414
• Raikes, A.; Sayre, R.; Davis, D.; Anderson, K.; Hyson, M.; Seminario E. & Burton, A. (2019) The Measuring Early Learning Quality & Outcomes initiative: purpose, process and results, Early Years, 39:4, 360-375. DOI: 10.1080/09575146.2019.1669142

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