Somos um grupo de seis educadores/as do centro educacional indígena Awá Calvi, pertencente ao distrito especial de Tumaco Nariño, e uma mãe comunitária,1 responsável pela educação de meninos e meninas na escola básica primária da organização da unidade indígena do povo Awà. (UNIPA). Temos a sorte de trabalhar neste território habitado por gente humilde, simples e trabalhadora que zela incansavelmente pela defesa do território ancestral. Uma população que desde a sua cosmogonia trabalha todos os dias pelos seus costumes, inkal Awà (povo da montanha), onde lutam pela sobrevivência em meio ao conflito armado e ao abandono do Estado.
Sendo estudantes do Mestrado em Ciências da Educação da Universidade San Buenaventura Campus Bogotá, assumimos a tarefa de mostrar parte de nossa experiência como educadores. Para isso fizemos um intercâmbio entre educadores/as. Visitamos três comunidades: Calvi e Peña Lisa que pertencem à reserva Gran Rosario e Angostura Dos, pertencente à reserva Arenal. A visita teve como objetivo perceber como é vivido na comunidade em geral o problema da violação do direito básico à educação de meninos e meninas. Esta iniciativa levou-nos a identificar alguns achados que são de grande preocupação.
Para compreender e evidenciar esta realidade, fomos às comunidades realizar o que tradicionalmente chamamos de “Minga de Pensamiento” em nosso território. Nesta experiência, os mais sábios, líderes, mães, pais, meninos e meninas das referidas comunidades, expressaram-nos a partir dos seus sentimentos e por vezes na sua língua nativa Awapit, quais são as suas forças espirituais, dando relevância à sua cosmogonia, que consiste na forma de se relacionar com a Mãe Terra, seus locais sagrados, seus ambientes e espaços de convivência, para salvaguardar o equilíbrio e conviver com tranquilidade no Katsa Su (grande território Awá). Expressaram também as dificuldades que os impedem de realizar as suas atividades diárias, especialmente a falta de uma educação própria que esteja de acordo com as suas necessidades como inkal Awá.
Abandono do estado
O Estado colombiano marginalizou os territórios habitados pelo povo indígena Awá no Pacífico colombiano. Não temos: estradas de acesso, água potável ou electricidade, também carecemos de serviços básicos como saúde e infra-estruturas dignas nas escolas que permitam às crianças receber as suas aulas. Da mesma forma, os locais de ensino são muito distantes entre si e, como consequência, os/as alunos/as devem percorrer longos trechos de trilha para chegar ao seu espaço de aprendizagem. Assim narrou um pai chamado Diomedes Nastacuas, 30 de março de 2022).
Com licença, naquele ambiente uma parte das crianças percorrem um caminho a uma hora de distância, pelo menos. Para uma criança de 5 anos, isso impede ela de poder ir para a escola, porque o caminho não é como uma estrada. O caminho às vezes é até perigoso, as crianças podem uma hora, ver a cobra que é perigosa, tem rios que quando enchem não conseguem passar. Tem dias que as crianças podem ser maiores, elas não chegam, tem dias que por uma hora e meia andam. Há dias que amanhece chovendo, é por isso que as crianças não vêm, e hoje? Eu falei, se amanhecer igual aquela trovoada de ontem à noite, amanhã não tem nem gente, não chega ninguém.
Nota. Texto tomado del relato hablado de un habitante de la comunidad peña lisa.
A cada passo que demos para avançar tentando chegar às comunidades, ficou evidente a violação de direitos em muitos aspectos, trilhas de difícil acesso, rios contaminados por hidrocarbonetos, presença de grupos à margem da lei, lavouras para uso ilícito, falta de água potável, falta de energia elétrica e pouca infra-estrutura nos estabelecimentos de ensino para que as nossas crianças recebam uma educação digna e de qualidade.
A educação como um direito
Na Colômbia, a Constituição Política declara a educação como um direito fundamental, no entanto, esta declaração para o povo Awá é uma utopia devido à marginalização a que foram submetidos pelos diferentes líderes no poder que controlam a nação. Esses líderes puxam os fios da nação para sua acomodação e deixam nesses fios, um muito fino para o investimento social dos territórios indígenas. Isso resultou no aumento da desigualdade entre o mundo ocidental e os povos originários e, neste caso, o povo Awá.
Caminho de paliçada por onde as crianças transitam
até seus centros educacionais
Entre essas consequências está “La extraedad”2 que é um problema atual nas comunidades educacionais indígenas Awá que fizeram parte deste estudo devido ao abandono estatal, a imposição da educação não indígena por meio das escolas onde, em quase todos os casos, penetra de tal forma que parece um atropelamento da própria cultura. Os conceitos com quais chega o/a professor/a determinaram que a educação de meninas e meninos Awá seja realizada com modelos educacionais ocidentais, sem levar em conta as necessidades e aspirações das comunidades e, o que é mais grave, sem levar em conta a cultura do povo indígena Awá como povo originário.
Nesta mesma ordem de ideias, percebemos ter tanta riqueza nos territórios, mas fazer parte de uma região esquecida pelo Estado e viver em condições de desigualdade com o mundo ocidental, faz com que a educação em nosso território tenha dificuldades como aponta Paulo Gentili (2004). O problema é a necessidade de construir práticas igualitárias em sociedades profundamente desiguais. Vivemos num país onde se multiplicam as formas mais brutais de exclusão. Um país localizado na região mais injusta do planeta.
Considerações finais
Conforme o relatado, somos enfáticos em pensar que a sabedoria dos mais velhos, dos espíritos da natureza e da nossa lei de origem, continuará a guiar o caminho de luta e resistência para fortalecer dia a dia a nossa identidade cultural e ancestral para enfrentar as diferentes violações dos nossos direitos como povo milenar e poder garantir uma educação que esteja de acordo com os nossos usos e costumes.
As conversas “mingas de pensamiento”, mostrou que extraedad é um termo desconhecido para essas três comunidades, onde o problema é vivido em larga escala afetando a população estudantil. Portanto, o termo extraedad é imposto pelo Estado, uma vez que a aprendizagem para os Awá pode ocorrer em qualquer momento das fases da vida.
Por meio das “mingas de pensamiento” pudemos compreender que as condições que vulneralizam e segregam as crianças em extraedad ocorrem devido a vários fatores que estão presentes no território como: pobreza extrema, conflito armado, presença de presença da ilegalidade, dispersão geográfica e falta de conhecimento sobre parte do Estado da cultura do povo Awá.
Darwin Antonio Palacios Pai, Gerson German Garcés García, José Cristóbal García, Leidy Jimena Zabala Guanga, Libia Ceneida Arango Cuajiboy, Wilmer Buitrón y Rosa Inés Zabala
Seis educadores del centro educativo indígena Awá Calvi perteneciente al distrito especial de Tumaco Nariño, y una madre comunitaria.
Notas:
1. Darwin Antonio Palacios Pai, Gerson German Garcés García, José Cristóbal García, Leidy Jimena Zabala, Guanga, Libia Ceneida Arango Cuajiboy, Wilmer Buitrón e Rosa Inés Zabala.
2. Extraedad é a defasagem entre idade e série/ano escolar e ocorre quando uma criança ou jovem tem dois ou três anos a mais, acima da idade média prevista para frequentar determinada série/ano escolar
Referências
Documento propio de la cosmogonía Awá.
Constitución Política de Colombia (1991)
Gentili, P. (2004). La pedagogía de la igualdad.
Siglo Veintiuno. CLACSO.