As 100 linguagens da infância. A pessoa surda, grande afetada e esquecida no contexto da pandemia

Durante o confinamento, os surdos e a infância surda, sofreram sobremaneira, devido ao isolamento físico, a incomunicabilidade e a situação emocional. Nas situações de internamento hospitalar, ao estar isoladas, não puderam ser acompanhadas por familiares ou intérpretes da LSE; a incomunicabilidade foi absoluta, e eles viveram realmente mal.

A comunicação tem se limitado a níveis impensáveis, pois a sociedade que os cerca não está cumprindo a Lei da LSE1: há dificuldade de assegurar a LSE em creches, escolas, universidades, serviços públicos, mídia, etc. Tampouco, estávamos preparados para atenuar as barreiras que surgiram com as máscaras e distâncias de segurança.

Na Espanha, o número de pessoas com deficiência auditiva, ou surdez, é estimado em cerca de sete milhões. O acesso à informação tem sido especialmente difícil para esse coletivo, especialmente no sistema educacional e de saúde. Especificamente em Madrid, o serviço de interpretação da LSE foi suprimido nos centros de ensino durante o confinamento.

E no pós-confinamento, ou retorno ao Cenário II, os problemas de barreiras de comunicação não foram resolvidos. Continuamos protegendo a saúde com o uso de máscaras, mas máscaras opacas. Máscaras opacas aprovadas, não adaptadas para as pessoas e meninos(as) surdos(as)

O Centro Educativo Ponce de León3, pertencente à Fundação Montemadrid, é um centro bilíngue (Língua Oral e Língua de Sinais), onde surdos e ouvintes (alunado e professores) convivem e aprendem em um ambiente inclusivo. Com uma metodologia baseada na comunicação e cooperação, aprendizagem por projetos de investigação, trabalho por zonas/cantos, aprendizagem e serviço cooperativo, etc. O desenvolvimento da linguagem, oral e / ou de sinais, é fundamental para o desenvolvimento do pensamento, e na infância é de vital importância fazer todos os esforços para que esse desenvolvimento, já limitado, não seja dificultado por barreiras adicionais.

No nível educativo, descobrimos que, com o uso da máscara não translúcida, surgiram barreiras importantes (estou falando sobre a infância, mas elas são as mesmas nos adultos):

©MIGUEL BERROCAL
  • Impede a leitura labial, pois o(a) menino(a) surdo(a) depende do movimento dos lábios e das expressões faciais para compreender.
  • O som da fala fica distorcido e o(a) menino(a) surdo(a) que tem aproveitamento auditivo, com próteses auditivas, implante coclear, o vê diminuído significativamente, e perde muitas informações dos companheiros(as), dos professores; sendo negativo para suas interações sociais e afetando a qualidade de suas aprendizagens. Segundo especialistas, a máscara e as proteções faciais deterioram o sinal acústico. O som da voz diminui entre 3 e 7 decibéis (dB) e até 20 dB se o interlocutor usar protetor facial.
  • Sua produção comunicativa em LSE também é afetada, uma vez que grande parte do significado dessa língua é proporcionado por gestos faciais que não se pode realizar com o uso de máscaras. E neste período educativo de aquisição da sua língua (veicular ou primeira língua) o adulto não pode ver ou apreciar corretamente esta produção e expressão linguística para orientar a sua construção.

Máscaras transparentes garantiriam a segurança e a comunicação das crianças surdas que frequentam a escola e dos surdos e surdas em geral. Mas por enquanto só existem máscaras aprovadas equivalentes às higiênicas, com um nível de proteção não adequado, principalmente com os pequenos da educação infantil, cujo uso é relativo, além de não ser obrigatório, e com as crianças que apresentam outras deficiências associadas, e seu uso não é o correto ou é limitado.

Nas aulas, conjugamos a proteção e a segurança das alunas e alunos e das professoras e professores com a realização de aulas acessíveis; para isso, contamos com a assessoria da Equipe Específica para Surdos da Comunidade de Madrid4. As medidas que tomamos e levamos em consideração visam reduzir as barreiras que encontramos em diferentes áreas.

Como há maior distância social e uso da máscara, a compreensão oral é afetada, por isso reforçamos o uso individual do equipamento FM/MR5 que permitirá aproximar a voz do interlocutor, permitindo que o(a) aluno(a) tenha acesso a mensagem falada de forma mais clara e confortável. Estando muito atento ao que os colegas falam, respeitando os giros, etc., reproduzidos pelo(a) professor(a), para que nenhuma informação seja perdida sobre o que acontece em sua sala de aula.

É importante nessa situação de medidas de proteção como a máscara e distância social que o(a) menino(a) esteja informado de tudo, para que se sinta confortável e seguro(a) em sua sala de aula; pois em seu ambiente ocorreram mudanças que o afetam, o contato físico e as possibilidades de troca e colaboração foram reduzidas. Em algumas aulas onde o trabalho por meio de projetos de investigação, o trabalho por zonas/cantos, o trabalho colaborativo eram e são o seu dia a dia, foi alterado e teve que ser adaptado. Eles precisam conhecer as mudanças, entendê-las e, por sua vez, contribuir com sua visão.

©MIGUEL BERROCAL

Para que o(a) menino(a) surdo(a) se sinta emocionalmente seguro(a) e, assim, reduza os efeitos da distância social e os efeitos das máscaras, todas as informações devem ser visuais e acessíveis. Temos que favorecer sua interação formal e informal. Em um grupo em que há surdos e ouvintes, geralmente estão todos interagindo, em grupos heterogêneos; mas neste momento, para ajudá-lo emocionalmente, favorecemos sua interação com seus companheiros surdos que lhes darão segurança, e com amigos especiais, etc, dirigindo uma atenção especial ao reforço, ao apoio pessoal do adulto. E é importante que a figura de referência no LES e / ou profissional surdo também esteja no grupo estável e não desapareça (Especialista em LES, Mediador Comunicativo, Intérprete de Língua de Sinais), pois para a criança é um suporte emocional.

A intervenção de especialistas, como PT ou A e L (Pedagogia Terapêutica ou Audição e Linguagem), em seu trabalho de desenvolvimento da comunicação oral, também tem sido afetada, pois devem usar, o máximo possível, máscara transparente ou máscara facial, divisórias, bem como o distanciamento. Mas tudo isso distorce o som. Portanto, você tem que usar mais os equipamentos FM individuais e mais apoios visuais. Mas é uma situação difícil, pois se utilizamos a máscara transparente aprovada equivalente à cirúrgica, diminui a proteção e a segurança e, se não for transparente, o trabalho com o(a) menino(a) é afetado e condiciona o seu desenvolvimento linguístico e escolar.

Essas barreiras de comunicação geradas pelo uso de máscaras não transparentes e a inexistência de transparentes aprovadas equivalentes ao FFP2 geraram um movimento reivindicativo, mas não existe uma solução completa e nem confiável. Pois, para uma maior segurança deveria ser 100% transparente e translúcida e aprovada como a FFP2. Transparente e translúcida para que não haja nenhuma barreira visual ou auditiva. E aprovada de forma equivalente a FPII para uma maior proteção e segurança tanto para interagir com meninos(as) pequenos(as) quanto com meninos(as) com outras deficiências associadas. E também adaptadas ao tamanho das crianças, pois máscaras transparentes para crianças não existem no mercado.

Todo mundo deveria portar máscaras transparentes, assim a interação comunicativa e a inclusão não seriam afetadas. E especificamente no campo educativo, o desenvolvimento integral das crianças surdas não se veria alterado.

Se queremos uma sociedade mais inclusiva, o uso da máscara transparente deve ser uma prioridade para todas as pessoas. É necessário também desenvolver uma política de I+D a partir dos diferentes sistemas públicos, para garantir a igualdade.

No curto prazo, as Administrações devem acelerar seu apoio e agilizar a demanda dos (as) surdos(as) por máscaras transparentes e translúcidas equivalentes ao FFP2, quanto à homologação e padronização que facilite uma melhor interação comunicativa.

M. Montserrat Pérez García
Diretora Pedagógica do Centro Educativo
Ponce de León de Madrid

NOTAS
1. Lei de LSE 27/2007, 23 de out., através da qual são reconhecidas as línguas de sinais espanholas e regulamentados os meios de apoio à comunicação oral de pessoas surdas, com deficiência auditivas e surdo cegas.
2. www.ponceleon.org
3. Equipe Específica de Auditivos, https://www.educa2.madrid.org/web/centro.eoep.auditivas.madid
4. FM/MR Frequência Modulada que ajusta as frequências de recepção de som

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