Cultura e expressão. Colorin, colorado, esse conto está terminado…

“Mamãe, papai, me conte uma história” É comum ouvir essa frase em meninos e meninas antes de dormir. Então, nós automaticamente nos voltamos para qualquer história que esteja à mão ou contamos a eles e elas a história que nos pedem. Às vezes é narrado com intensidade, outras vezes monotonamente. Mas, definitivamente sempre terminamos com a frase clássica “ Colorin, colorado, esse conto está terminado…”, mas isso realmente termina? Definitivamente, sabemos por experiência própria de vida que essas “histórias literárias” permanecem gravadas em nossa memória para sempre; embora muitas vezes sejam gerados estereótipos que são assumidos, sem qualquer dúvida, como válidos, desde tenra idade.

É assim que alguns personagens das histórias infantis tradicionais transmitem valores e atitudes altamente estereotipados, por exemplo: príncipes valentes, fortes e inteligentes, apresentados como heróis ou salvadores; princesas boas, obedientes e frágeis cujo prêmio é o herói ou príncipe; madrastas más que ameaçam o bem-estar familiar de crianças indefesas.

Da mesma forma, “submissão, passividade, beleza e atribuição aos espaços domésticos são características comuns a quase todas as personagens femininas das histórias”, conforme menciona Marisa Rebolledo Deschamps (2009) no estudo intitulado “Sete contadores de histórias por sete noites”. A questão que se segue nessa situação é o que fazer frente à literatura sexista? Rebolledo propõe “não jogar fora as histórias sexistas, mas usá-las como material didático; brincar com os meninos e meninas para mudar os finais, os papéis, para se colocarem no lugar dos personagens, etc. …, alterando seu enredo e seus personagens para criar novos/as personagens e situações, que preservam partes da história original, mas que representam uma ruptura com estereótipos sexistas ”

Mas, além dessa influência que muitas vezes distorce os valores universais como a Verdade, quem não se perguntou na infância ao final de uma história: “E o que aconteceu depois?” Essa pergunta recorrente na mente fantasiosa da criança, leva meninos e meninas a imaginarem muitas situações sentindo-se motivados/as a continuar investigando mais sobre a história e, se aceita pelo adulto, pode servir de ponto de partida para fornecer informações com um propósito claro.

Considerando o exposto no parágrafo anterior e o indicado por Rebolledo; nos questionamos: então, por que não contar histórias infantis de várias maneiras e com um propósito didático bem pensado? Assim, como no marco do Bicentenário da Independência do Peru, pretendemos incluir personagens ou criar outros cenários e situações. Assim, convidamos a conhecer parte de nossa cultura e história, por meio da tradicional literatura infantil.

Cabe ressaltar que no Currículo Nacional da Educação Básica CNEB (2016), entre outras abordagens, destaca-se a abordagem intercultural, considerando que “no contexto da realidade peruana, caracterizada pela diversidade sociocultural e linguística, a interculturalidade é entendida como um processo dinâmico e permanente de interação e troca entre pessoas de diferentes culturas, orientado para uma convivência pautada na pactuação e complementaridade, bem como no respeito à própria identidade e às diferenças ”MINEDU, CNEB (2016, p. 24).

Por outro lado, a narrativa adaptada à realidade, além de desenvolver habilidades de leitura desde cedo, também promove sua identidade pessoal e social em meninas e meninos, conforme afirma o CNEB “para construir sentido. Textos que você lê, é fundamental assumir a leitura como uma prática social localizada em diferentes grupos ou comunidades socioculturais. Ao envolver-se com a leitura, o/a aluno/a contribui para o seu desenvolvimento pessoal, bem como o da sua própria comunidade, além de conhecer e interagir com contextos socioculturais diferentes dos seus” MINEDU, CNEB (2016, p. 74)

Consequentemente, as adaptações das histórias apresentadas neste artigo visam a formação de cidadãos que desenvolvam sua identidade pessoal e social, valorizando a diversidade cultural do país e o respeito às diferenças. Além disso, essas narrativas são acompanhadas de imagens sugestivas e motivadoras com a intenção de que meninas e meninos possam obter informações adicionais à história, que lhes permitam formular hipóteses sobre alguns fatos e situações representadas graficamente.

Bicentenário da Independência do Peru
O bicentenário é a celebração dos 200 anos da independência do Peru. No ano de 2021, o Peru lembra que é um país livre pela vontade de peruanas e peruanos, nos convida a nos perguntar que país queremos ser, mas, acima de tudo, o que devemos fazer individualmente e com nossas famílias para alcançá-lo. Adultos, jovens, meninas e meninos, por meio de ações, devemos pensar em construir um país melhor.

Perona, G. (2019). Un camino de oportunidades. Modo Bicentenario, (1), p. 2. Recuperado el https://bit.ly/2J34mqs 10 de noviembre de 2020.

A seguir, apresentamos um resumo de três narrativas baseadas em obras infantis tradicionais e o propósito de cada uma das adaptações realizadas, com o objetivo de informar meninas e meninos peruanos sobre nossa herança cultural e responder de forma fantástica à pergunta: “E o que aconteceu depois?”.

Pinóquio e suas aventuras na Amazônia
Pinóquio, agora transformado em criança humana, se prepara para dormir e seu papai Gepetto lhe conta uma história sobre a Amazônia peruana, que ele escuta com atenção até entrar no mundo dos sonhos. É neste devaneio de fantasia em que Pinóquio é visto ao lado de seu amigo inseparável “Grilo Falante” na selva peruana. Juntos, eles navegam rios e caminham entre árvores gigantescas, encontrando uma flora e fauna maravilhosas. Pinóquio fica muito surpreso ao encontrar animais exóticos que nunca tinha visto antes, e ouve com muita atenção as explicações que o Grilo Falante lhe dá sobre cada animal da selva amazônica peruana. Entre eles, a arara, o macaco leão, o galo da serra, a onça-pintada, o tucano e a sucuri; alguns dos quais estão em perigo de extinção. Depois de muitas aventuras, Pinóquio acorda de repente, percebendo que tudo era um sonho maravilhoso.


Pinóquio e suas aventuras pela Amazônia.

Propósito
O objetivo desta narrativa é fornecer informações sobre a fauna de nossa Amazônia; gerando ao mesmo tempo, em meninas e meninos, o desejo de continuar investigando profundamente sobre os animais que habitam a selva peruana, quais são suas características, seu habitat e como podemos evitar sua extinção.

Alice no país das maravilhas
Alice começa com o mesmo enredo da história original, só que desta vez ela não segue o coelho e sim o enigmático “cuy”, um engraçado roedor peruano típico e também cai de um penhasco encontrando no final sete portas que a levarão a descobrir lugares incríveis e maravilhosos do Peru. Alice sabe algo mais de cada lugar graças às informações que seu amigo inseparável lhe dá e juntos vivem aventuras fantásticas em cada lugar. Primeiro, chegam à ilha flutuante dos UROS no Lago Titicaca e descobrem a planície Marcahuasi, cujas montanhas rochosas lhes dão a impressão de serem observados; navegam em uma jangada através do cânion mais profundo da terra “El Colca”. De Colca voam montados em um condor gigante sobre a cidade branca de Arequipa e contemplam do topo os três vulcões que a cercam; cruzam os Andes e chegam à cidadela de Machu Picchu. Continuam a rota voando, até encontrar as incríveis linhas de Nazca no meio de um deserto; finalmente, pousam em um castelo mágico na cidadela de Chan Chan, que abrigou os antigos peruanos “Los Chimús” e que é o cenário perfeito para Alice se tornar uma princesa Chimú. Todas essas aventuras são compartilhadas com sua mãe, ao voltar para casa e acordar daquele sonho mágico.

Propósito
O objetivo desta narrativa é levar meninas e meninos, por meio da história e da interpretação de imagens, conhecer nossa riqueza natural e arqueológica, valorizando também as diferentes regiões e costumes do Peru.

 

João e Maria perdidos em Machu Picchu
João e Maria se perdem na floresta e se refugiam em uma caverna, eles caminham por uma passagem iluminada por uma luz muito forte. Quando chegam ao final do corredor, encontram uma saída que os leva a uma grande festa Inca, o “Inti Raymi” ou festival do sol. Ambos estão vestidos com trajes típicos por uma “Ñusta”, uma princesa Inca que também os leva para um passeio pela cidadela Inca e para participar desta cerimônia. Lá conhecem o “Intihuatana”, calendário solar usado pelos Incas para marcar as estações do ano; do alto da cidade eles podem ver a colina “Huayna Picchu” e perceber que está começando a anoitecer. João e Maria estão muito preocupados com o tempo e é nesse momento que Ñusta os leva em direção a um lindo arco-íris que será o caminho que os levará de volta para casa.

Propósito
O objetivo desta narrativa é manter o “mistério” do desconhecido e levar meninas e meninos para descobrir Machu Picchu e aprender mais sobre o tradicional Festival Inti Raymi ou Festival do Sol.

Reflexões finais
É muito importante ter em mente que a narração de histórias infantis situadas em contextos socioculturais distintos do seu tem impacto no desenvolvimento pessoal e social, permitindo conhecer e valorizar as diferenças.

Considerando a importância da literatura infantil na formação de nossas meninas e meninos e levando em consideração que existem certos estereótipos sexistas que emergem de algumas dessas obras; vemos a necessidade de desenhar estratégias didáticas eficazes para reverter algumas mensagens que promovem a desigualdade de gênero ou que distorcem valores fundamentais na infância.

A literatura infantil tradicional está presente em diferentes cenários e em diferentes momentos, tendo um impacto inegável em nossas vidas. Nesse sentido, pode ser utilizada como geradora de novas situações, mas com uma finalidade didática definida que contribui para a formação de valores éticos e culturais em meninas e meninos.

Olga Patricia Vergara Bao

Referencias
Marisa Rebolledo Deschamps (2009) “Siete rompecuentos para siete noches”. https://web.ua.es/es/unidad-igualdad/secundando-la-igualdad/documentos/actua/educacion-infantil/siete-rompecuentos.pdf
Pastor, Y. (2019) “Pinocho y sus aventuras por el Amazonas”. Editorial Talentus
Pastor Y. (2019) “Alicia en el país de las siete maravillas”. Editorial Talentus
Pastor, Y. (2019) “Hansel y Gretel perdidos en Machu Picchu”. Editorial Talentus
Ministerio de Educación (2016). Currículo Nacional de la Educación Básica. http://www.minedu.gob.pe/curriculo/pdf/curriculo-nacional-de-la-educacion-basica.pdf

 

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